Lá vou eu com meu post anual de enaltecimento ao Chumbawamba – se não tem a menor ideia do que falo, clica logo no nono vídeo abaixo! Apertem os cintos e lá vamos nós!
Tempos estranhos os nossos: tudo começa em boas ideias e acaba em negócios – e com essa faca nas costas chamada “empreendedorismo” disseminada pros de baixo (o que, na verdade, é o bom e velho “se vira como pode” característico da luta por sobrevivência em tempos sombrios).
O Chumbawamba, o mais bem sucedido empreendimento cultural ANARQUISTA na história da humanidade, de certa maneira, rompeu com essa escrita, numa carreira novelesca (de 1982 a 2012), iniciada em shows em ocupações urbanas, chegando ao Madison Square Gardens em Nova Iorque, e finalizando no circuito de música folk de protesto do norte da Inglaterra. E nesses 30 anos de trajetória, espalhou boas ideias, rompeu fronteiras tidas como sagradas, lançou discos memoráveis, financiou muitos movimentos radicais – inclusive no Brasil! -, gerou polêmicas que deram algum ânimo ao anarquismo contemporâneo e à crítica cultural, e ainda emplacaram um hit #1 global.
A trajetória pouco ortodoxa do Chumbawamba rumo ao estrelato global – e se tornar um tipo de paradigma de One Hit Wonder noventista – começou como é comum a 100% dos grupos punks politizados: shows em bibocas, turnês espremidas em vans, dormindo no chão da casa de estranhos, bebida barata, vida comunitária e roupas comuns, enquanto discutiam temas como liberação animal, sindicalismo, luta de classes, a mitologia em torno de Elvis Presley e a cultura de raves. Por 15 anos preservaram com tenacidade sua independência, apoiados por uma base de fãs/ativistas fiéis e muita camaradagem. Aí eis que chega o ano de 1997.
Apóa assinar um controverso contrato com a multinacional EMI, pensaram que com isso poderiam ajudar a tornar o mundo melhor, mas sem idealismo do tipo “vamos propagar ideias radicais”: ainda que subsistisse este elemento, havia uma prática política das mais ferozes e vivazes; dentre outras coisas, a banda em suas turnês, funcionava em esquema cooperativo, incluindo técnicos etc, financiaram causas variadas mundo afora com o dinheiro das suas músicas usadas em publicidade (uma delas, “Pass It Along”, usada em um comercial do carro Pontiac, ajudou a financiar o CMI Brasil em 2002, por exemplo), além de usar todo seu espaço na mídia para agitação e propaganda explícita. Evidentemente, atraíram o ódio da mídia musical ora conservadora ora trabalhista na Inglaterra. O single “Tubthumping” se tornou um sucesso mundial e ainda hoje é obrigatório para animar convidados em casamentos no auge da bebedeira.
Enfim, uma vida de novela que nenhum bando de anarquistas do norte da Inglaterra – ou em qualquer outro lugar do mundo – poderia imaginar.
Musicalmente, o estilo inicial segue a ortodoxia do anarcopunk inglês do período exatamente anterior à sua fundação.
Muito rapidamente, absorvem a seminal influência do grupo pós punk Mekons (da mesma região deles, Leeds, e estudantes da escola de arte de onde saiu o Gang Of Four e o Delta 5), tornando-se uma espécie de cabaré revolucionário, adicionando expedientes brechtianos rudimentares – inclusive nas letras de suas músicas – e muita performance agit prop.
O período que mais gosto da banda é quando flertam com o estilo dance de Manchester, de ábuns como Shhh e Slap! e é quando ficam grandes na cena alternativa, frequentando paradas de sucesso independentes e fazendo turnês em espaços médios no Reino Unido, França, Suíca e Alemanha, sendo chamados de “Fugazi da Europa”, fundamentalmente porque eram um ícone de independência edas ideias progressistas, assim como o quarteto de Washington. Não por acaso, fizeram algumas turnês tanto com o Fugazi quanto com os holandeses do The Ex (gravaram um 10 polegadas juntos sob o nome de Antidote), outro grupo famoso por expandir as fronteiras estéticas e ideológicas do anarcopunk tal qual proposto pelo Crass e parceiros.
Essa fase culmina no álbum Anarchy, em 1994, abraçando a eurodance mais popularesca possível e tornando as letras mais diretas e bombásticas, em contrapartida. Lembro de ler em algum lugar alguns anos depois, alguém dizer que o Chumbawamba não estava interessado em fazer música pra lidar com a má consciência do garoto branco e rico fã de Rage Against The Machine, e sim em agradar os empregados das famílias destes garotos. Não pereceram, definitivamente, por falta de sentido missionário, rs.
Bem, aí chegou 1997, eles emplacaram um hit global, financiaram o movimento anticapitalista mundo afora e pagaram alguns micos, como playback…
… E fizeram propaganda pela libertação de um condenado ao corredor da morte (algo tido como ilegal nos EUA), o ex Pantera Negra Mumia Abu Jamal, no maior talk show da época!
Depois de dois discos ultra pop em gravadora grande, rompem contrato e mudam o direcionamento musical, se embrenhando na rica tradição britânica de folk de protesto – um gênero amplamente acolhido em pequenos clubes de sindicatos, sobretudo no Norte da Inglaterra e com matiz classista muito aparente.
Como registro desse rico período – que rendeu três ótimos álbuns – deixo o show final do grupo, onde é possível perceber de forma mais clara o bom humor ácido característico do grupo.
Todo mundo no grupo continua na ativa, politicamente e artisticamente. Dunstan Bruce e Harry Hamer, por exemplo, formaram um trio pós punk incrível, Interrobang.
Danbert Nobacon hoje vive nos Estados Unidos e continua soltando discos de protesto e uma ou outra incursão no universo infantil, decididamente ligado em questões ambientais e na temática dos imigrantes.
Alice Nutter, a personalidade que sempre mais me agradou (sim, eles conservavam características individuais e opinavam dessa forma sobre muitas coisas!), se tornou uma dramaturga prolífica e co-escritora de algumas séries aclamadas no Reino Unido. A entrevista abaixo é muito interessante e dá o tom do quão sagaz essa turma é.
Ser tão aficcionado pelo grupo só me trouxe boas amizades no mundo todo – sim, eles tem fãs inteligentes e politizados mundo afora que se tratam como uma verdadeira sociedade secreta hehehe. Então fica a dica: quer conhecer gente interessante e vivaz, saia do Tinder e embarque nessa incrível confraria!
Paz entre os de baixo, luta de classes e anarquia à todos!